Alexandre Figueiredo
Niterói - RJ
Nos anos 80, o rádio do Rio de Janeiro tinha muitas AMs e poucas
FMs. Destas, a maioria era dedicada ao paradão estrangeiro, com base na revista
Billboard. Dominavam as músicas comerciais e grupos de origem duvidosa
(conhecidos como "armações "). De música nacional, só medalhões da
MPB dos anos 70 e artistas popularescos (ou "bregas"). A música
alternativa carecia de uma emissora que lhe servisse de divulgação ampla e
irrestrita.
Nos anos 70, duas emissoras tinham arriscado o rock. A Federal AM,
rádio niteroiense de baixa potência surgida no fim dos anos 60, e a Eldorado
FM, vulgo Eldo Pop, surgida em 1972 e comandada pelo lendário DJ Big Boy
(1945-1977), conhecedor de música negra dos EUA e rock. A Federal pertencia ao
grupo Bloch e a Eldo (que de pop só tinha o nome), ao Sistema Globo de Rádio.
Ambas representavam a cultura alternativa numa época em que a repressão era
ameaça súbita e freqüente em nossas vidas. A Federal acabou em 1974, quando
mudando as instalações para a cidade do Rio de Janeiro, virou uma AM popular, a
Manchete AM. A Eldo Pop acabou em 1978, um ano após a morte de seu criador,
passando a ser, até hoje, a rádio 98 FM, de perfil popularesco.
No início dos anos 80, o Grupo Fluminense de Comunicação,
responsável pelo jornal O Fluminense, de Niterói, estava testando uma emissora
FM. O grupo, propriedade do jornalista Alberto Torres, já tinha uma emissora
AM, a Fluminense AM, e o jornal O Fluminense era o maior veículo de imprensa
escrita do Estado do Rio de Janeiro até a fusão com o Estado da Guanabara,
quando jornais oriundos do antigo Distrito Federal, como O globo e o Jornal do
Brasil passaram a ter maior expressão no Estado do RJ.
Por pouco a então nova FM, a Fluminense FM, não seria dedicada à
música romântica. O superintendente do Grupo Fluminense, Ephrem Amora, chegou a
criar um lema meloso para a emissora. Todavia, o jornalista Luiz Antônio Mello,
que estava bolando um programa de rock, o "Rock Alive", mudou o rumo
da rádio, ainda experimental, em 1981, alternando The Who e Eric Clapton com Amado
Batista, eliminando aos poucos a programação romântico-brega da rádio.
Em primeiro de março de 1982, nascia a Fluminense FM, a MALDITA,
inteiramente voltada para o rock. Vale lembrar que sua finalidade foi ser
totalmente diferente das FMs de hit-parade , não apenas pelo fato de tocar
bandas de rock, mas também ter locução, linguagem, programação, filosofia e
mentalidade que nada tinham a ver com as chamadas "rádios jovens".
Além disso, também tocava blues e a MPB tinha alguma relação com o rock.
A rádio, no início de sua existência, tocava poucas bandas novas.
Ela precisava se estabilizar e havia um marasmo no rock nacional da época.
Ainda assim, a Flu FM começou a tocar a coletânea "Rock Voador",
parceria entre a WEA e o Circo Voador que lançou nomes como Celso Blues Boy,
Vid & Sangue Azul e Kid Abelha (este, por ironia, arroz de festa das rádios
dance do país e rejeitado pelo público de rock de hoje em dia), além de demos
de Lobão, Paralamas do Sucesso e Blitz (outro conjunto mais para pop). Na
época, esses nomes eram a vanguarda do rock nacional que, depois de uma crise
de identidade no final dos anos 70, tentava absorver parte da new wave
norte-americana (Devo, B 52’s, Gary Numan), mas num sotaque que, segundo as más
línguas, lembrava a Jovem Guarda. O Kid Abelha, por exemplo, soava Celly
Campello reciclada. Os Paralamas do Sucesso eram os que melhor representavam o
rock na época, entre os que estavam em ascensão. A sonoridade do grupo era
voltada para o ska, na linha do ótimo grupo The Police. Atualmente, os Paralamas
do Sucesso estão mais próximos da MPB do que para o rock.
A Fluminense FM lançou um produto novo chamado fita-demo. As
fitas-demo serviam para dar a amostra do talento de cada banda, só que, graças
à Fluminense, acabaram virando obras primas. Destacam-se as fitas-demo dos
grupos Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial (bem superior à
fase em que a banda foi pasteurizada pela indústria), Plebe Rude, Lado B (grupo
paranaense depois radicado em Niterói que lançou um mini-LP pela EMI em 1985),
Escola de Escândalo, Saara Saara, Urge, Picassos Falsos, Finis Africae, entres
outros. Quem tiver alguma dessas fitas ou biografia sobre essas bandas, favor
escrever para egoms@hotmail.com.
As fitas-demo tinham qualidade técnica sofrível, mas em
contrapartida seus sons eram mais crus, espontâneos e bem melhores do que as
versões em LP de algumas bandas. Por exemplo, "Idade Média" dos
Picassos Falsos e os primórdios do Capital Inicial (quando Dinho Ouro Preto, da
família do Visconde de Ouro Preto, não era um galã) eram bem melhores em
gravações demo. Em LPs de grandes gravadoras, bem mixados, tais músicas, mesmo
não ruins, soavam inferiores às originais.
A programação da Flu FM era brilhante. Já em 1984 a rádio acelerava
nas novidades, tocando as novas tendências da época, como Smiths, New Order,
Cure, U2 e grupos veteranos porém pouco conhecidos como Joy Division e Dead
Kennedys. Na sua melhor fase, entre 1984 e 1989, a rádio freqüentemente jogava
direto na programação normal, aliviando a carga dos programas específicos que
poderiam ser mais criativos e ousados. Uma vez, uma cópia do single "The
Game" (1987) do Echo & The Bunnymen, chegou aos estúdios da rádio e
foi tocado diretamente na programação normal.
Entre os locutores da "Maldita ", se
destacaram Selma Boiron, Selma Vieira, Liliane Yusim, Mirena Ciribelli (hoje
apresentadora de programas esportivos da Rede Globo), Monika Venerabile, José
Roberto Mahr, Maurício Valadares, entre outros.
Entre os programas da Fluminense FM, vale lembrar do "Rock
Alive", apresentado pelo DJ, jornalista e fotógrafo Maurício Valladares e
pela jornalista Liliane Yusim, hoje editora dos programas RJ TV e Jornal
Nacional da Rede Globo. Apesar do nome, o "Rock Alive" era o mais
eclético, chegando a tocar até Clementina de Jesus (sério, sem sacanagem!!).
Outros programas eram memoráveis: o "Módulo Especial" (meia hora com
músicas de um artista), "Gui tarras"
(metal, punk e derivados), "Espaço Aberto" (Rock Nacional e MPB),
"Mack Twist" (skate rock, punk e new wave), "Rush" (soft
rock e MPB), "Tendências" (que chegou a ter quatro horas de
duração!), entre outros.
A programação da Flu Fm era 24 horas por dia para gravar, sem
locuções nem vinhetas atropelando as músicas. Cada módulo começava com uma
música nacional e depois duas estrangeiras. As músicas não se repetiam de uma
hora para outra nem mais de duas vezes por semana, e até o repertório de um dia
diferia de outro quase que por completo. Os locutores tinham um perfil sóbrio e
não deveriam usar gírias nem sisudez, equilibrando a dicção e o texto falado
para uma linguagem que possa ser aceita tanto por adolescentes como por
adultos.
Desde 1985, porém, muitas rádios comerciais pegaram carona na
revolução da Fluminense FM, diluindo o formato para os mesmos padrões do
hit-parade rejeitados pela "Maldita". Infelizmente os que apoiaram a
Fluminense acabaram se iludindo com suas clones comerciais.
É como se, entre os atores, preferir Ricardo Macchi a um Paulo
Gracindo. A Fluminense FM foi aos poucos preterida pelas FMs que pasteurizavam
seu formato. Em março de 1990, Luiz Antônio Mello e José Roberto Mahr
(responsável pelo "Novas Tendências" ou NT) saíram da rádio (Mahr
ainda voltaria para Flu FM em 1991), e a Fluminense FM passou a tocar pop, por
um ano num ensaio para o que viria depois em 1994. Os protestos, porém, fizeram
com que a Fluminense voltasse para o rock em 1991, mas sem a criatividade dos
tempos anteriores. A programação roqueira dificilmente seria independente das
paradas de sucesso, como era antes no auge da Fluminense.
Nesta fase, a Fluminense era uma decadência. É escalada uma equipe
de locutores amadorescos, com exceção de Monika Venerabile, Ricardo Chantily,
Tom Leão, Andre Mueller (Plebe Rude), Dodô, Rodrigo Lariú e José Roberto Mahr.
Mesmo assim, o espaço para bandas alternativas, ainda que limitado, existia. A
Fluminense, nesta fase, estava entre reviver seus tempos áureos ou concorrer
com as clones comerciais.
Porém, o que mais pesou foi uma campanha negativa contra a rádio,
que já estava marginalizada pela mídia. Corria entre alguns descontentes o
bordão "A Fluminense morreu", já em 1991, e os menores erros
cometidos eram duramente condenados. Todos botavam a culpa na rádio quando o
problema real era a existência de alguns radialistas medíocres. Resultado: a
única FM não-comercial do Rio de Janeiro encerrou suas atividades em 30 de
setembro de 1994, quando entrou no ar uma rádio de credibilidade duvidosa (até
para a dance music!), Jovem Pan 2. Pelo menos, resta um consolo: apesar do
poder publicitário da Jovem Pan Sat, um papo entre amigos sobre a
"Maldita" tem mais conteúdo inteligente do que as revistas ridículas
que a Jovem Pan empurra para o mercado.
Fatos Marcantes
- O programa "Rock
Alive ", que teve como principal responsável o fotógrafo, jornalista,
radialista e DJ Maurício Valladares, apesar de tocar rock e de ter o têrmo
em seu nome, tinha um conteúdo mais eclético, englobando as matizes da música
negra, como o reggae de raiz, o blues, o soul e até Clementina de
Jesus (eu mesmo flagrei na rádio, na época).
- O programa "Novas
Tendências", surgido na extinta Estácio FM (107, 5 MHz), teve seu auge na
Fluminense FM, de 1986 a 1990. Chegou a ter quatro horas de duração, mas a
compra dos direitos de retransmissão da 89 FM de São Paulo e Recife
reduziu o programa a duas horas de duração. Quando o programa se mudou, no Rio
de Janeiro, para a Rádio Cidade, ganhou uma parca meia hora de rock e outra
meia de tecno, teoricamente. Na prática, eram apenas seis bandas de rock e três
de tecno em média por semana. A cidade, então atrelada ao dance, chegou a jogar
o dance-farofa 2-unlimied (um dos símbolos do perfil dance da Jovem Pan 2) nos
módulos tecno do NT. Nos tempos em que o programa reinava na Flu FM, seu
repertório musical servia de base para a programação normal.
- Apesar de ser considerada a
"primeira rádio de rock " do Brasil, a Flu FM foi
antecedida por duas rádios nos anos 70, a Federal AM e a Eldorado
FM (citadas no livro "Onda Maldita "). Na verdade, a
Fluminense FM foi a primeira rádio de rock de porte médio (porque seus
constantes problemas financeiros, já que não era uma FM comercial,
dificultaram a real ascenção da rádio na grande mídia) do Brasil em tempos de
democratização (a Eldo Pop surgil em 1972, época de censura e repressão; por
isso é que não tinha muita locução, condição imposta pelo Sistema Globo de
Rádio para manter o projeto do saudoso DJ Big Boy).
- O programa "Rock
Alive", em seus primórdios, teve a colaboração da jornalista Liliane
Yusim. Atualmente, ela faz parte das equipes editoriais do
"RJ TV" e do "Jornal Nacional" da Rede
Globo. Liliane foi uma das primeiras locutoras da Fluminense FM.
- Em 1987, durante a programação normal,
à tarde, houve uma interrupção para tocar o compacto "The Game",
do hoje recém-reativado Echo & The Bunnymen. Era o compacto da estreia
do último LP do grupo antes da parada então definitiva, e o último gravado
com o baterista Pete de Freitas, morto em 14/6/89. A cópia do compacto havia
sido adquirida pela rádio naquele mesmo dia em que o compacto foi tocado, no
segundo semestre de 97. A rádio decidiu não esperar incluí-lo em algum programa
específico e jogou diretamente no horário normal.
- No dia primeiro de abril, a Flu FM
tocava o início de uma música da Madonna, naquele ano de 1987. Era gozação e a
música, "Into the Groove", foi interrompida antes da metade. Em
1995, porém, a Cidade e a Transamérica tocavam Madonna tranquilamente, mesmo se
autodeterminando "rádios rock". Nos anos 80, a Flu
FM passou a tocar o cover de "Into the Groove" com o atualmente
conhecido Sonic Youth.
- Por outro lado, outro artista pop,
Michael Jackson, radicalmente rejeitado pela Flu FM por não ter a menor
identidade com o segmento rock, também foi lembrado pela Transamérica em sua
fase dita "roqueira", felizmente de vida curta (abril de 95 -
junho de 96).
- Apesar da precariedade técnica, as
fitas demo tocadas na Fluminense FM chegavam a ter a qualidade criativa
superior às faixas regravadas em LPs de grandes gravadoras. Destaque para as
demos do Capital Inicial, que não fazia o pop mauricinho que marcou seus LPs,
do Lado B, um conjunto paranaense que se radicou em Niterói, do Picassos
Falsos, liderado por Humberto Effe e teve o jornalista de O Globo, Luiz
Henrique Romanholli, como baixista da segunda formação. Pelo menos estes são
alguns dos destaques.
- Uma das mais belas canções tocadas
pela Fluminense FM foi "Big New Beginning", de 1986, do conjunto
inglês Big Dish, até hoje marginalizado pelas paradas de sucesso, mesmo as
"roqueiras". A canção era tocada na programação normal. A Estácio
FM fazia a mesma coisa.
Nascida em 82, com sede em Niterói (RJ), a extinta rádio Fluminense FM, também conhecida como Maldita, foi muito popular durante os anos 80. Mas foi uma rádio muito especial. Ela foi uma rádio diferente das outras. Não se ligava em música comercial, nem pop-farofa, mas procurava trazer a tona sons novos, música de verdade. Eram especiais para todos os gostos, entrevistas e inúmeros programas, abrindo espaço para todas as tribos. Muitas bandas fizeram nome lá, com o espaço que ela abria às fitas demo para lá enviadas. Foi o caso, por exemplo, do Paralamas do Sucesso, que estourou nas paradas de sucesso da rádio em 83. Lançou tambem o Kid Abelha e a Legião Urbana. Assassinada pela Jovem Pan em setembro de 94, a chamada frequência maldita passou a tocar dance music. Só. A compra pegou todo mundo de surpresa e deixou milhares de ouvintes órfãos da melhor programação do Rio, restando à estes se contentarem com a robotização e a mesmice das outras rádios.
DECADÊNCIA E FIM DA FLUMINENSE FM
Em 1990 a Fluminense FM parecia ir aos conformes, com sua
programação roqueira recauchutada quando, em fevereiro, ocorrem duas baixas.
Primeiro, Luiz Antônio Mello foi convidado pelo prefeito de Niterói, Jorge
Roberto Silveira, a presidir a Fundação Niteroiense de Arte (FUNIARTE).
Segundo, a Rádio Cidade do Rio de Janeiro adquire os direitos de transmissão do
programa "Novas Tendências", tirando da Fluminense sua fonte de
novidades.
Num curto período entre setembro de 1989 e fevereiro de 1990 a
Fluminense FM teve sua programação revista e alterada por Luiz Antônio Mello. O
ecletismo sob o pretexto alternativo, espécie de caricatura da filosofia
musical de Maurício Valladares, foi praticamente descartado. Até um bom
programa especializado em rock progressivo foi transmitido nas noites de
quinta-feira: "Clássicos do Rock". Mas compromissos pessoais, em nome
da sobrevivência, fazem muita gente abandonar projetos ambiciosos que não rendem
muito dinheiro.
Aí, em março de 1990 a Fluminense, sem algum nome de peso para
conduzir a programação rock, mergulha no abismo: decide virar emissora pop,
mantendo o mesmo nome, para desespero e irritação de muitos. Para a
coordenação, foi chamado Daniel Di Sarto, atualmente gerente de selo da
Universal Music no Brasil. Durante um ano a emissora adota esta atitude,
tocando Dee-Lite, Paula Abdul, George Michael e Technotronic, entre tantas
outras coisas, sendo um ensaio para o que veio depois, com a Jovem Pan e Jovem
Rio. A audiência cai e começa o ceticismo dos alternativos quanto ao futuro do
radialismo rock no Rio de Janeiro.
Um dos micos
registrados dessa época é o fato de um locutor comparar o grupo de menudos New
Kids On The Block aos Beatles. Mais ridícula, porém, é a atitude de uma FM de
Salvador que entre dezembro de 1989 e agosto de 1993 posou de "rádio
rock", com pretensões bem parecidas com a Rádio Cidade carioca hoje. A
rádio baiana 96 FM chegava a incluir o New Kids On The Block na programação
normal, só parando em março de 1992, quando a 96 FM (conhecida também como
Rádio Aratu), adotou uma linha mais "verossímil", a que exatamente se
vê nos 102,9 mhz cariocas hoje. A 96 FM não deu certo, perdeu audiência, virou
rádio dance e com
o tempo virou afiliada da Rede Aleluia (Igreja Universal do Reino de Deus). Te
cuida, Rádio Cidade!
Em 1991 a Fluminense volta ao rock, em razão dos protestos dos
ouvintes contra a programação pop da emissora. No entanto, a já ex-Maldita
estava sem o pique de antes. Seu playlist não era
repetitivo no sentido de "martelar" as mesmas 60 músicas toda semana,
de quatro em quatro meses, mas era sofrível pela previsibilidade das canções e
bandas escolhidas. Os programadores, ao invés de lançarem nomes inéditos no mainstream, se
prendiam demais a nomes como Nirvana, Red Hot Chili Peppers e R. E. M., sem
falar do farofeiro Guns N'Roses, sucesso entre os adolescentes naquele 1991.
A Fluminense volta meio dependente do playlist da
MTV (na época, um pretenso "edifício garagem" para as novas bandas de
rock), apesar de ter em sua equipe nomes como Tom Leão (um dos responsáveis
pela coluna "Rio Fanzine" de O Globo), que comandava o programa
"Hellradio", e Rodrigo Lariú (responsável pela gravadora independente
Midsummer Madness e integrante do quadro de assessores e produtores da MTV
Brasil), do programa "College Radio", que divulgavam novidades. Até
José Roberto Mahr havia voltado à emissora, com o fim do "Novas
Tendências" na sua fase Rede Cidade, como citaremos depois. Mas a programação
normal, razoável, estava frouxa, pois apesar de não muito repetitiva em relação
a qualquer FM de hit parade, era previsível demais para
uma rádio alternativa.
Numa comparação mais exata, a Fluminense FM de 1991-1994 parecia
mais uma rádio amadora. Não era exatamente uma rádio pop metida a roqueira,
apesar de alguns ranços de "Transamérica" no programa "Jack
Ruim", de humor besteirol. Era, isso sim, uma cover de uma
rádio comunitária da pior espécie, dessas que perdem tempo tocando bandas
"radicais" de sucesso e demos de grupos medíocres. Esse amadorismo,
do contrário que a inteligente capacidade autodidata das rádios alternativas
originais, era burro, equivocado, alienado e acima de tudo desatento ao que
ocorria de bom e de melhor no mundo à volta.
Mesmo a volta da locutora Monika Venerabile em 1993 não empolgou.
Ela havia trabalhado na Jovem Pan e na Transamérica pouco antes, quando a
locutora residiu em São Paulo, e acabou adquirindo aquele ranço
"engraçadinho" que ela desenvolveria em 1995. Ainda não era a Monika
pedante e grosseira da Rádio Cidade, mas não era mais a Monika da Fluminense
dos primórdios. Rola uma suspeita de que ela teria indicado a amigos da Jovem
Pan a aquisição da Fluminense FM, por regime de franquia.
Em 1992 é lançado o livro "A Onda Maldita - Como Nasceu a
Fluminense FM", de Luiz Antônio Mello. Era um livro saudoso, meio
otimista, mas seu autor já estava muito amargurado com sua rádio, então com
audiência baixíssima, inferior a 1 % - ironicamente os ouvintes radicalmente roqueiros
da Rádio Cidade hoje nem chegam a 0,5 % de sua audiência total e a emissora
comemora. Fazer o quê, pretensão é isso mesmo - , e situação econômica
sofrível.
Sete anos depois Mello altera bruscamente seu livro, colocando
notas adicionais, no livro "A Onda Maldita", que manteve o subtítulo
"Como Nasceu" acrescido do "E Quem Assassinou". A obra
também foi acrescida de letras traduzidas de King Crimson e Who, um poema de
Lobão, um trecho de artigo do autor da revista Som Três (a íntegra pode ser
lida aqui, acrescida dos comentários publicados no
livro) e, principalmente, um capítulo em que Mello enumera os principais
responsáveis pela extinção da Fluminense FM.
Gosto musical
é coisa complicada. Não pode ser registrada em carteira de identidade. É
difícil de provar e sujeita a mil ecletismos. Mas o cotidiano prova que o mito
recente de que ouvinte da Rádio Cidade topa tudo que for rock n'roll não é mais
do que balela, conversa para boi dormir. Existe até aquela piada do filho
único, ouvinte da Cidade, que se achava roqueiro radical e, quando amigos
flagraram um CD de dance music farofa na coleção dele, o tal "filho
único" alegou pertencer a irmã caçula dele (ele não tem irmãos nem irmãs).
Na mesma piada, o disco do Jethro Tull comprado pelo sujeito seis meses antes
permanece com a embalagem lacradinha. Outra piada lembra a famosa marchinha de
carnaval dos carecas, só que aplicada ao rock, em que os ouvintes da Cidade
acham o rock o máximo, mas na hora do aperto é da dance music que
gostam mais.
Em 1992, a Fluminense FM era comandada por um sujeito de pouca
repercussão entre a opinião pública, chamado Gilney Hervano, "um homem
simples cheio de idéias simples", segundo informa texto da Tribuna da Imprensa. 1991 e 1992 foram anos
em que a Fluminense FM parecia mais modesta, palatável, não tinha um décimo da
criatividade de antes e sofria alguns deslizes pop, mas era uma emissora
correta, realmente eficaz nas suas mínimas virtudes, uma FM rock correta que a
89 FM até hoje tanto quer ser mas não consegue.
Até porque a Fluminense FM de 1991-1992, por mais atrapalhada e
"avoada" que fosse, por mais previsível que estava, pelo menos tinha
simplicidade, humildade, virtudes que praticamente inexistiram em quase toda a
trajetória da 89 FM até hoje. Isso no que se diz a parte da equipe, pois se
depender do outro lado, ou seja, Ricardo Chantilly e os envolvidos nos
programas mais críticos da emissora, o estrelismo e a molecagem é que
imperavam.
A Fluminense FM, no entanto, parecia se preocupar com a
"irreverência" da MTV (surgida no Brasil em outubro de 1990) e tentou
perseguir seu formato. Na gerência artística de então, estava Chantilly,
ex-surfista, que depois veio a ser responsável pelo projeto Australian
Connection, que trouxe diversas bandas australianas (algumas delas em fase
decadente) para diversas cidades do país, incluindo até o Nordeste.
Hoje Chantilly é empresário do grupo mineiro Jota Quest. Ele, no
entanto, não estava vinculado com a história da Fluminense e permitiu que ela
seguisse um formato diluído, com locução irregular, amadoresca, com repertório
que monopolizava os sucessos e as músicas de trabalho, embora num leque
relativamente amplo como da MTV Brasil, que em 1991 era uma espécie de
"Edifício Garagem", uma alusão ao termo "bandas de garagem"
que eram os xodós da emissora televisiva, que tinha o funk
metal e o rock de Seattle como seus carros-chefes.
Em 1993, José Roberto Mahr e Monika Venerabile retornam à equipe da
Fluminense. Mahr cria um bom programa, "Overdrive", de rock em geral,
antigo ou novo. E Monika, como descrevemos acima, passou a adotar um estilo que
pairava entre a sobriedade dos primórdios da Fluminense FM (1982-1985) e a sua
fase porralouca da Rádio Cidade (1995-2000).
É certo que,
perto do que se tornou a 89 FM hoje em dia, a programação da Fluminense FM na
sua fase decadente era mais honesta. Incompetente, mas real, autêntica,
mostrando o gosto musical limitado dos surfistas, chegados apenas a curtir
parte do rock que se relaciona com praia, verão e que seja mais ligado ao
presente. Sem falar dos ecletismos com reggae e hip hop. Por
isso é que a programação musical se tornou ruim, cheia de limitações. Mesmo assim,
o gosto musical dos surfistas é real, eles curtem o que tocam em rádio, do
contrário dos locutores da "rede rock" da 89 FM que só se envolvem
com rock profissionalmente, quando na intimidade preferem ouvir pop suave e
MPB.
A programação musical da Fluminense pecava pelo monopólio do rock
barulhento, acrescida de obviedades do rock australiano. Grupos como Nirvana,
Smashing Pumpkins, Red Hot Chili Peppers tinham uma divulgação fora do comum,
ainda com ênfase nos seus hits. Junto a eles, Midnight Oil e Men
At Work também sucumbiam à divulgação muito maciça, que enjoava os ouvintes.
Apesar disso, algumas bandas novas tiveram espaço, ao menos em programas
específicos, como Pelvs, Beach Lizards, Second Come e Pin Ups. Até o grupo
baiano brincando de deus (esse nome assim mesmo, com minúsculas), liderado pelo
professor universitário Messias G. B., apareceu para uma entrevista na
Fluminense FM, que em seus últimos momentos chegou a divulgar o grupo O Rappa.
Programas como "Jack Ruim" e "Hard Rock" eram
os mais problemáticos. Neste último o apresentador chegou a dizer que não
gostava daquilo que tocava. No primeiro, locutores que falavam besteiras e
pareciam playboys na praia, falando até palavrão. Em 1995 eles
teriam problema em outra rádio, a Costa Verde FM de Itaguaí, que estava
abrigando desde o final de 1994 alguns programas da Fluminense quando recebeu
uma ordem para suspender a programação roqueira.
Ricardo Chantilly estava planejando aumentar o sinal da Fluminense
FM de cinco para vinte e cinco kilowatts quando foi informado do contrato com a
Jovem Pan Sat acertado em agosto de 1994. A Fluminense FM teve que trabalhar
sua despedida em agosto e setembro, num fim melancólico e apático, com
audiência que havia até se recuperado um pouquinho de nada, de abaixo de 1 %
para algo como 1, 5 %, porque a notícia do fim assustou muita gente. Mas aí o
pessoal foi lutar de forma tardia, mandando abaixo-assinados e recados para o
Grupo Fluminense praticamente em vão, e sendo sujeitos ainda a encarar a
arrogância da equipe da Jovem Pan Sat, que posava de herói naquela época, se
autopromovendo às custas da crise da Fluminense.
Em 30 de setembro de 1994, num trocadilho maldoso com os 94,9 mhz
(94 em relação ao ano e 9 em relação ao mês nove, que é setembro), a Fluminense
FM encerrava suas transmissões à meia-noite. A música de encerramento escolhida
foi "The End", clássico do primeiro LP dos Doors, homônimo à banda,
de 1967. O fim da Fluminense foi anunciado em agosto anterior e nos poucos
tempos de existência que restavam os locutores, inclusive o próprio Ricardo
Chantilly, que apresentava um programa de surfe, ironizavam a entrada da Jovem
Pan. Chantilly chegou a dizer: "Êêêê...Praia de paulista é no Rio
Tietê". Outros alertavam os ouvintes sobre o fato de que a Jovem Pan costuma
tratar o público juvenil como se fosse imbecil.
Com o fim da Fluminense FM, seu grande acervo de discos passava a
ser inutilizado pela Jovem Pan, que só usaria CDs de pop e dance,
passando o antigo acervo para esperar sua sorte, anos depois, nos sebos de
discos no Rio de Janeiro e resto do Brasil. Tais discos se tornaram cobiçados,
ante a mítica imagem da extinta rádio, embora os camelôs e lojistas, na sua boa
fé, tenham vendido muitos desses discos a preços baixíssimos. Mas isso teve um
lado positivo, pois a venda de tais títulos se tornava imediata e entusiasmada
pela demanda roqueira, garantindo lucro modesto mas rápido dos vendedores.
No entanto, desconfia-se que o próprio Chantilly tenha sido
conivente com a entrada da Jovem Pan, apesar de ter feito comentários irônicos
no ar. Recentemente, observa-se de um lado que a programação
"definitivamente rock" da Rádio Cidade é comandada por Alexandre Hovoruski, cúmplice de Tutinha na programação dance
farofa da Jovem Pan Sat, a mesma que derrubou a Flu FM. Por outro
lado, Ricardo Chantilly fez parcerias com a Spotlight Records para lançar os
CDs das bandas australianas, e na equipe da Spotlight estava Kaká, primeiro
coordenador da Jovem Rio, rádio local que subsituiu e herdou a linha da Jovem
Pan Rio. Como se vê, é provável que esse pessoal esteja interessado na
destruição da cultura alternativa no Rio de Janeiro, desmoralizando a
Fluminense FM.
Que moral tem
Alexandre Howoruski para representar
o segmento rock, se seu "mestre" Tutinha, pouco antes da Fluminense
FM sair do ar, ter dito à reportagem de O Globo que o público de rock é
"pequeno"? Além disso, Hovoruski foi responsável por toda a série de
CDs das "Sete Melhores da Pan", dedicados à dance farofa,
entre 1995 e 2000. Hoje, pode ser que o público "roqueiro" da Cidade
seja pequeno (ele não inclui os órfãos da Flu FM, ainda órfãos até a emissora
voltar na sintonia 540 khz, em 16.07.2001), e mais detalhes podem ser obtidos
clicando aqui.
PRINCIPAIS
PROGRAMAS DA ÉPOCA: "Overdrive" (rock em geral),
"Contracapa" (rock nacional), "College Radio" (rock
independente dos EUA e Reino Unido), "Hellradio" (grunge e rock
barulhento da linha pós-punk), "Jack Ruim", "Hard Rock"
(rock pesado), "Fluminense News" (entrevistas e demos).
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